sábado, 29 de agosto de 2015

Cuco - Julia Crouch

Que livro!

Em um suspense psicológico,  carregado de segredos, de culpa, escolhas estranhas e autocomiseração, Julia Crouch nos presenteia com a história de Rose e Polly.
Amigas de infância, conhecedoras dos segredos uma da outra, parceiras. Mas até que ponto? E, até que ponto Rose realmente conhece Polly? Até onde chega a confiança delas?
Essa é  a principal artimanha da autora deste livro, que mostra claramente o cuidado e a genialidade da construção de um suspense,  procurando, e dando, profundidade em personagens que teriam tudo para ser rasos e simples.
A construção da trama é muito boa, partindo da amizade delas e levando o leitor a questionar o comportamento de ambas até o final, onde o surpreendente acontece e mais uma vez deixa o leitor de queixo caído.
Os artifícios psicológicos bem colocados nas situações do dia a dia de um casal e suas filhas, a chegada da amiga e seus filhos, a mudança em toda a rotina por diversos motivos, a construção de uma crise, visível ao leitor atento e perspicaz, fazem deste um dos melhores livros lidos por mim este ano.
Crouch nos transporta para momentos incríveis em lindos campos ingleses,  ao mesmo tempo nos carregando por cenas carregadas de tensão, medo e culpa.
Sem perceber,  é possível que o leitor não queira largar o livro até chegar ao seu final. E quando chegar lá,  vai desejar ter mais algumas páginas para ler...
E, apesar de alguma prolixidade em alguns poucos momentos, este é um livro que eu indicaria facilmente a qualquer pessoa fã de um bom suspense e, mais ainda, de uma boa história psicológica.
Nota 10!

sábado, 22 de agosto de 2015

Eva - Anna Carey


Homens e mulheres,  segregados,  odiando-se.

Um abrigo apenas para mulheres,  seu refúgio e proteção,  onde homens não são permitidos pois sua natureza é violenta e agressiva,  impositiva e desrespeitosa.

É  nesse contexto que Anna Carey baseia sua história.

Uma história distópica, onde uma grande e grave praga matou muitos e um homem assumiu o poder mundial, criando uma "sociedade perfeita", usando órfãos como escravos e poder político para manipular os adultos que sobraram, os convencendo de que era possível construir uma "Nova América".

O contexto é interessante,  remetendo o leitor ao 'Admirável Mundo Novo' de Huxley, porém um tanto surreal, sendo o ano de 2032 onde Eva se percebe na 'selva', apenas 16 anos depois da grande praga - ou seja, ano que vem.

Desconsiderando este pequeno, porém importante, detalhe, a a autora tenta apresentar uma nova visão a outro grande clássico literário, desta vez inglês - O Paraíso  Perdido, de John Milton, sendo, do meu ponto de vista até este momento,  uma tentativa um tanto frustrada.

Eva recebe toda a atenção da autora,  que desvia o foco de todos os demais personagens,  não lhes dando profundidade e local na trama diferente de apenas serem "degraus" para Eva. Caleb, o grande amor, ou mesmo o grande antagonista,  o Rei, não são apresentados ao leitor,  deixando a entender que, talvez nos próximos volumes recebam seus papéis nas palavras de Carey. Talvez.

De um modo geral, a leitura é gostosa,  fluida e com elementos interessantes,  passando um tanto longe da fantasia mas sempre remetendo a ela.

Será uma série em 3 volumes,  tal qual Jogos Vorazes e Divergente, entre tantos outros nos últimos anos,  sendo assim podemos esperar mais profundidade na história, e torcer para que aconteça. Apesar de voltada ao público mais juvenil, pode garantir diversão a todos os públicos,  basta não ser tão exigente, e esperar bastante simplicidade ao pegar este livro para ler.

O segundo volume já foi lançado no Brasil, recebendo o título de Uma vez (Once, em inglês), e já  entrou na fila para os próximos meses.

Nota 6,5!

sábado, 15 de agosto de 2015

A Cidade & A Cidade - China Miéville

Mais um ótimo livro deste autor.

Na excelente tradução de Fábio Fernandes (bastante conhecido pelas traduções da Editora Aleph e em livros de ficção científica).

Miéville nos apresenta aqui uma situação interessante: mesmo espaço geográfico,  duas cidades, em países diferentes.  Como isso é possível? É o primeiro pensamento que surge. Não o último.

Incrivelmente, o autor explora muito bem a realidade fantástica de Beśzel e Ul Qoma, cidades diferentes, em países diferentes,  mas que dividem o mesmo espaço geográfico, tornando possível a ocupação do mesmo espaço por dois "corpos" diferentes. 

Quando um crime acontece e a polícia do local não acredita ter meios de resolvê-lo, tenta passar a competência para a única esfera que é capaz de tudo: a Brecha. E muito acontece,  em diversas situações, transformando esse enredo, sem perder o fio da meada nas mudanças de comportamento de cada um dos personagens.

Ver e desver, sentir e dessentir, ignorar e fingir que nada aconteceu sem dar ênfase aos próprios pensamentos para não  violar uma das maiores leis locais,  compartilhadas por ambas as cidades e seus cidadãos: fazer brecha.

No início,  é complicado entender esse recurso explorado pelo autor,  porém logo nos primeiros capítulos fica claro para o leitor como deve ser essa leitura: rica em detalhes,  nuances e de muita figuração.

Utilizando livremente os recursos de linguagem e unindo diversos temas bastante explorados na literatura,  como a fantasia e, ao mesmo tempo,  a ficção científica, o policial e o suspense, Miéville demonstra claramente que é um dos grandes autores deste momento, utilizando seus conhecimentos de forma magistral,  para nos presentear com essa fantástica história onde utiliza muito bem elementos de suspense,  medo, obediência, diferenças e percepções, tantas vezes sendo necessário ignorar ou valorizar uma ou outra no decorrer das páginas.

Depois de Rei Rato, não esperava menos. 


Resta-nos agora esperar que a Boitempo Editorial traga os demais livros do autor e que sejam tão bons quanto esses dois.

Nota 9,5!

domingo, 9 de agosto de 2015

A Evolução de Calpúrnia Tate - Jaqueline Kelly

Narrado  em primeira  pessoa,  contando a história de como conheceu o avô que morava na mesma casa mas era muito isolado,  e sua própria história, quando começa a se perceber e a se questionar sobre todos os costumes e habilidades que são  esperados de uma mulher, ainda no final do século XIX.


Calpúrnia Tate é uma menina  de quase-doze-anos, que não gosta de trabalhos manuais, mas precisa aprendê-los mesmo assim. Em um determinado momento encontra no avô,  tão afastado e amedrontador,  um verdadeiro companheiro de aventuras e descobertas.

O ano é 1899 e para meninas como Calpúrnia é necessário obedecer a família,  a ordem e os bons costumes,  aprender a gerir uma casa e a gerar uma família só sua - seus descendentes. Não lhe é permitido ler livros como A Origem das Espécies, Charles Darwin,  mas apenas livros de culinária e afazeres domésticos,  além de aprender a bordar, tricotar, tocar piano e cuidar de crianças - coisas que ela questiona quando passa a se relacionar mais próxima do avô.

O livro é bastante gostoso de ler, cheio de questionamentos sobre a vida, sobre as percepções das coisas ao seu redor,  sobre a importância que é dada a determinadas situações,  comportamentos e pessoas.

Em uma história divertida,  simples, porém profunda, a autora nos leva a pensar nas muitas vezes em que deixamos de viver ou fazer algo por conta de conceitos sociais. E mesmo que pensemos que não o fazemos,  quando nos voltamos para nossos próprios pensamentos percebemos que não é bem assim.

Vale muito investir um tempo nesta leitura. A autopercepção que fica atrelada a ela é  gigantesca.

Nota 9!

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Fúria - Stephen King

Publicado em 1977, sob o pseudônimo de Richard Bachman, Fúria apresenta a história de Charlie Decker, uma verdadeira bomba relógio programada  pela família e pelo sistema, este, considerado por ele, não  tão  válido  para o aprendizado que julga ser adequado.


A história começa com Charlie sendo chamado à secretaria da escola para reavaliação de seu comportamento em uma situação com um professor que é esclarecida posteriormente ao leitor e mostra, claramente,  a perturbação mental do garoto. Ainda que no decorrer da trama a formação de caráter do rapaz deixe bem clara suas influências e justificativas psicossociais, não é possível considerá-las justificáveis,  o que torna o comportamento dos colegas de classe de Charlie bastante questionável.

Percebe-se aqui a alteração do perfil do algoz - Charlie -, que passa a ser, então, uma espécie de herói adolescente, tornando perceptível que o grupo de adolescentes é cheio de conflitos pessoais e sociais.

A 'lavagem de roupa suja' que ocorre dentro deste grupo, sendo guiados por um outro adolescente,  este com sérios problemas psicológicos,  é bastante interessante,  pois mostra como basta acreditar numa ameaça potencial para que aqueles que não se suportam se unam em defesa ao agressor, estranhamente não identificado em Charlie,  que passa boa parte da trama sobre o cadáver de uma professora sem se importar com isso.

O livro, de modo geral, vale a pena por ser um dos clássicos do autor,  do início de sua carreira, que foi proibido pelo próprio Stephen King após o episódio do massacre da escola de Columbine, onde encontararam um exemplar do livro no armário do adolescente que promoveu o massacre.

Disponível apenas na antologia Os Livros de Bachman, publicado na década de 80 pela editora Francisco Alves, e em versão digital, é um livro que não merece toda a atenção dispensada por alguns fãs do autor, mas que cumpre seu papel no quesito entretenimento, além de apresentar um bom suspense.

Nota 7,5.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A Extraordinária Tristeza do Leopardo-das-Neves - Joca Reiners Terron

Autor nacional, romance brasileiro ambientado na cidade de São Paulo,  com reminiscências à Segunda Guerra Mundial e à grande migração que formou os vários hábitos culturais da cidade de São Paulo.


Terron nos apresenta uma história rica,  com personagens simples mas que apresenta com profundidade e força, ao mesmo tempo em que os retrata com delicadeza.

Como falar de um serial killer e ao mesmo tempo retratar o declínio cognitivo proveniente do Mal de Alzheimer e, além disso, as aventuras de um jovem apaixonado, a tristeza de um animal que perdeu seu lar e a própria identidade e a psicose de um indivíduo? Além de tudo isso, a dependência de anfetaminas e a insônia de um escrivão de polícia.

Com esses elementos,  de maneira bem distribuída e magistral, o autor nos garante horas de entretenimento bastante positivo,  que, ao mesmo  tempo,  nos faz perceber o quão pequenas podem ser nossas dificuldades ou mesmo nossos anseios.

Utilizando recursos de linguagem,  com elipses e onomatopéias dedicadas ao reforço da trama, Terron demonstra como é possível construir ricamente uma boa história.

"A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves" é um livro que fala de família, de cuidado e autocuidado, de preconceito,  medo, violência e envelhecimento.

Assim, associando elementos  aparentemente bastante divergentes,  o autor obteve e nos presenteia com uma bela história, com os capítulos e subcapítulos muito bem posicionados,  sem deixar pontas soltas, concluindo sabiamente a história de cada personagem.

Uma leitura bastante interessante, principalmente por ser de um autor nacional e mostrar,  além disso, que basta que haja oportunidade e uma boa história para que os bons autores brasileiros sejam conhecidos.

Nota 9!