sábado, 13 de abril de 2013

Pontas de dor


- Corre!

- O que?

- Corre! Rápido.

- Do que você está falando, garota? Me deixa em paz e vai brincar com as suas bonequinhas, menina.

- Não fala assim comigo. Cansei de você e dos seus amigos me infernizando a vida a todo momento; na rua, na escola e em casa. Mesmo longe de mim, vocês me perturbam. Sai daqui, rápido.

- Vá se tratar, garota! Procura um médico, não, melhor, um psiquiatra, você está louca. – e desatou a rir.

Foi a gota d’água, Mirella não conseguia mais suportar tudo aquilo. Pensava e repensava a todo momento como agiria com Brian e seus amigos. Desde que eram pequeninos, ainda no ensino fundamental, eles a perturbavam, puxando seus cabelos, escondendo seus cadernos, roubando seus lanches na escola... Agora, a coisa ficara um pouco pior, pois Mirella tinha se tornado uma moça grande, alta e larga, devido ao crescimento e ao ganho de peso acelerado. Apesar de pouco se interessar ou conversar com os garotos, Brian e sua turma a perturbava. Nem se lembrava direito porque tudo começou, apenas sabia que já não aguentava mais tanto terror. E agora, com o que tinha conseguido fazer, era apenas uma questão de tempo para conseguir colocar esses marginais em seus lugares.

- Muito bem, Brian, você escolheu seu caminho, não reclame. – Mirella saiu da loja e se afastou, enquanto Brian ria e ria, dela, para ela, já não importava, nunca mais ele daria um único sorriso que pudesse magoá-la. Remexeu na bolsa e pegou um cigarro, acendeu dando uma profunda tragada, expirando lentamente. Foi o tempo necessário para que o rapaz no interior da loja limpasse as lágrimas dos olhos e retomasse seu caminho para a geladeira das bebidas; para seu azar, não percebeu a mudança no ambiente, considerava que ainda tivera sua porção de divertimento do dia, e tudo graças àquela menina estranha e desengonçada para quem era obrigado  a olhar todos os dias.

Do lado de fora da loja, Mirella acabava de fumar seu cigarro. Ao terminar, segurou a guimba do cigarro até queimar os dedos, foi aí que tudo aconteceu, tão rápido e tão certeiro que era como se estivesse sonhando. A dor provocou uma sensação de poder tão forte que a fez sublimar, a partir daí bastou apenas que canalizasse para onde queria. Olhou para Brian no interior da loja, ele parecia decidir entre as vodkas ou o conhaque e logo foi coberto por todas elas. Mirella pensou nas garrafas, em cada porção de grão de areia que formara aquele vidro, no calor que o forjara e separou todos eles. As garrafas estouraram e os líquidos que estavam em seus interiores voaram junto com todos os cacos, perfurando Brian da cabeça aos pés. Um sorriso estampava seu rosto.

Quando chegou ao setor das bebidas Brian não sabia ainda o que levaria para a casa dos amigos, era uma reunião simples, pra assistir um jogo de basquete qualquer, Nicolas adorava basquete, achava legal o moleque gostar dessas coisas. Enquanto decidia se levaria uma cerveja ou uma garrafa de vodka, olhou para a rua e percebeu que a garota ainda estava parada na calçada, fumando e olhando para ele com uma cara que ele considerava de dor de barriga. Achou cômico e teve certeza de que a menina era louca quando ela terminou de fumar e segurou a ponta do cigarro entre os dedos até queimá-los. O sorriso que estava em seu rosto quando os cacos de vidro o atingiram de forma violenta sumiu, sendo substituído pela dor. Sangue, dor... Sangue... Dor... Dói, tudo dói... Foi apenas o que conseguiu pensar... E quando desmaiou a última imagem que surgiu em sua mente foi o sorriso da garota estranha na porta da loja: ela me falou pra correr...

E do lado de fora da loja, Mirella sorria, dessa vez mais feroz. Não sentia a dor na ponta dos dedos que seguraram o cigarro fumado até o filtro e um pouco mais. Havia descoberto o gatilho e como canalizar sua raiva e sua dor àqueles que mereciam sofrer tanto quanto ela sofria. E sofreriam.

Jogou fora a guimba queimada, procurou um novo cigarro na bolsa e o acendeu.

Aspirou lentamente a fumaça para dentro de seus pulmões, virou-se e foi embora, assobiando.

Brian já não importava mais.

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